Ele insistiu tanto que minha mãe agüentou as insuportáveis dores e contrações. É que eu estava pertinho de vir ao mundo, no dia 5 de junho de 1980. Mas, seu Luiz, meu pai, o Boi, como eu o chamava, queria ouvir meu primeiro choro somente no dia 6. E assim foi. Minha mãe conseguiu me expulsar daquele cantinho quente exatamente uma hora da manhã e durante onze anos comemoramos juntos nossos aniversários.
Boi morreu há 20 anos. O esportista jovem, alegre e brincalhão nos deixou com a idade de Cristo.
Ele me chamava de Piu, por conta da música do Trem da Alegria “Piuí Abacaxi”. Eu cantava errado e dizia piu abacaxi toda vez.
As coincidências entre nós são infinitas.
Escuto sempre de algum conhecido que sou a cara dele. Boi era bonitão. Alto, branco, cabelos claros. dizem que pareco por conta da cor da pele, da altura, da estrutura física (magra), só faltou herdar a cor dos olhos. Meu pai, o Boi, tinha olhos azuis. Os meus são castanhos claros. O jeito também é igualzinho. Ele era um pássaro. Adorava voar e ser livre. Comerciante e empresário vivia viajando. A cada retorno pra casa, lembro bem, uma festa acontecia. Com música, bolo e guaraná. Celebrávamos porque ele gostava disso. Era um farrista, um boêmio nato.
Boi fazia todas as minhas vontades e a criança aqui não foi nada fácil.
Soube como homem e pai dedicado, ensinar, em pouco tempo de vida os valores morais. Homem simples e de fala mansa sabia orientar com inteligência. Aos nove anos chorei por que ao invés de manteiga tinha margarina na mesa. A resposta foi uma lição.
- Sente e coma. Isso é o que seu pai pode comprar.
Outra lembrança é a do cara humano e carinhoso. Boi nunca teve apego a bens materiais, dava dinheiro aos necessitados e tinha sorriso no rosto sempre. Queria somente viver e ajudar, ajudar e viver, viver e ensinar.
Minhas tias, coitadas enlouqueciam com as maluquices dele. Boi perturbava os namorados das meninas toda vez que uma ia apresentar a meus avôs. Mas também era confidente, parceiro e amigo.
Até de mim, uma inocente criança entrando na “aborrecência”. Pouco antes de morrer chamou-me no canto e perguntou se eu tinha namorado. Como uma menina de onze anos poderia ter namorado? Foi então que contei que um menino do colégio havia me roubado um beijo e achava que estava gostando do rapaz. Foi nossa primeira e única conversa sobre o amor. E ele nem me repreendeu.
Boi queria que aprendesse a ser independente cedo. Segundo minha mãe, ele queria me dar à chave de casa aos quinze anos pra chegar a hora que bem quisesse. Tinha mais: estava juntando dinheiro para quando completasse 18 anos me presentiar com um apartamento. Queria que aprendesse a me virar sozinha. E aprendi.
Esse era Boi. Ah, ele amava esportes e me ensinou também a gostar. Era campeão baiano de Rally. Toda vez que chegava na escola para pegar eu e meu irmão com aquele carro colorido meus amigos iam pra cima. Virava atração. Ele adorava colocar todo mundo no carro e levar para pizzaria da esquina. E assim, me ensinou a superar limites e encarar desafios
Boi era um cara envolvido com esportes e cultura. Tocava piano e encantava com sua generosidade.
Fico pensando como seria nossa relação hoje. Como estaria orgulhoso de mim e vice e versa. Seria um pai corujão, não sairia da frente da TV só pra ver minha matérias, ficaria ligado no rádio o dia inteiro pra me ouvir,e, quem sabe, estaria até dando conselhos amorosos no Confessionário. Boi adoraria ler minhas poesias e viajar comigo para os lugares inusitados que invento.
Essa história de herói é muito clichê. Boi, simplesmente, foi Boi. Um pai único. Ele parece que sabia da sua morte precoce. Talvez por isso, queria apressar o curso do rio e nos ensinar tudo o mais rápido possível. Talvez por isso, queria que soubesse o quanto me amava e o quanto éramos tão ligados. Dois que são uma coisa só, sabe.
Bom, Boi seguiu o rumo natural da vida, mas a vida também me deu de presente outros Pais. Meu avô e tios presentes até hoje!
emocionante Aline!
ResponderExcluirQue lindo esse carinho!
ResponderExcluirJá admirava você antes pelo seu trabalho, e agora lendo isto... Confesso que fiquei emocionada. Me vi nas suas palavras.
Quando eu sair dessa fase de 'foca' quero ser igual a você!
Um beijo!! :)
Poxa Aline, fiquei até emocionada!
ResponderExcluirSabe, escrevendo esse comentário, acredite, estou com olhos marejados e uma pilha de documentos me esperando pra eu arquivar e organizar aqui no trabalho! Ninguém sabe, mas sempre q posso coloco o fone pra ouvir a rádio metrópole ou abro uma aba no mozilla pra ler seu blog, hahaha! Um dia ainda me pegam!
Ao ler essa linda história, constatei uma coisa:
ACREDITE, seu pai, o Boi, pode n estar mais ao seu alcance, mas ele com certeza estará sempre presente! Já pais que convivem debaixo do msm teto q seus filhos, parece mais, q nem existem.
É o meu caso, mas a vida é assim msm. Nem sempre dá pra ter tudo! Desde pequena sonhei com um pai, assim, como o Boi... Vc é uma felizarda!
Ele fez um ótimo trabalho enquanto vivo! Foi um pai presente, e te transformou em uma mulher dinâmica e que sabe citar palavras simples e sábias pra descrever quem foi aquele pai que deixa saudades! Parabéns querida!
Beijos da sua fã!
Estou sempre ligadinha no confessionário! Adoooorooo!
Jamile Britto.